por Evandro Pelarin (um blog que vale a pena seguir).
A Constituição brasileira proíbe qualquer trabalho para menores de 14 anos. Grande parte dos juristas e das pessoas ligadas aos debates sociais na área da infância e juventude interpretam essa regra como uma proibição absoluta. Nós, aqui em Fernandópolis, pensamos diferente. A Constituição, nesse ponto, é relativa. São razoáveis alguns temperamentos para se autorizar o trabalho do adolescente, maior de 12 anos. Apresentamos, a seguir, algumas de nossas justificativas.
Se um adolescente de 12 anos comete um delito, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê prestação de serviços à comunidade. O menor vai trabalhar, mediante subordinação e habitualidade. Tanto que, se ele falta ao trabalho, reiterada e injustificadamente, pode ser mandado até para a cadeia e, depois, Febem. Além disso, nesse serviço à comunidade, ele nada recebe e não tem garantias trabalhistas e previdenciárias. E poucos sustentam que esse trabalho é contra a Constituição. Ora, então, não parece exagero algum permitir ao adolescente de 12 anos, que nada fez de errado, um emprego legítimo, onde receba salário, com garantias da lei. Ao mesmo tempo, nós cremos, é melhor inspirar nos jovens o trabalho como algo bom, não como algo penoso.
Todos nós devemos livrar a criança e o adolescente de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, como manda a Constituição. A frase é bela, quando escrita, lida e falada. Mas, como cumprir isso, na prática, quando se têm meninos e meninas ociosos, perambulando pelas ruas, praticando furtos ou na prostituição para sustentar o vício vindo das drogas? Programas sociais são ótimas alternativas. Porém, não há tantos projetos quanto se necessita, e nem todos são eficazes e só ‘do bem’, como temos visto, ultimamente, diante da proliferação de certas ONGs, onerosas para o Estado e até na ilegalidade. O trabalho remunerado é uma das formas legítimas de se conquistar o menor para um bom caminho.
A Constituição também diz que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à profissionalização. Uma das maneiras de se conseguir isso é o trabalho assalariado, que não gera custo direito para o Estado. O garoto e a garota aprendem, desde cedo, uma profissão, uma especialidade. O que contribui para a formação de sua personalidade, a partir de um valor construtivo em todos os sentidos.
No nosso país são muitos os casos em que o menor trabalhador ajuda a família. Isso é bom. Fortalece os laços familiares. O adolescente sente que é importante para as pessoas que mais ama. O núcleo familiar se reforça, com o respeito mútuo entre pais e filhos. Portanto, acreditamos que obedecemos à lei na estruturação da família, à medida que a Constituição diz que a família é a base da sociedade e tem especial proteção do Estado.
Quando não se autoriza o menor trabalhar, não são raros os casos em que ele vai para o trabalho assim mesmo. Muitas vezes levado pela necessidade de auxiliar nas despesas do lar. Existem muitos jovens que não querem ver sua própria família sofrer. Ora, se ficamos inflexíveis, lendo a lei de maneira fria, corremos sério risco de ter o menor trabalhando na clandestinidade, sem qualquer direito trabalhista e previdenciário, o que é muito pior do que a proibição ao trabalho.
Um outro motivo, menos decorrente da lei e mais da observação da vida, é a constatação de que muitos adultos de hoje, que começaram a trabalhar com 12 anos, às vezes, menos que isso, ou obrigados pelos pais ou porque precisavam de dinheiro, tornaram-se cidadãos responsáveis. São excelentes pais, pagadores de impostos, respeitadores da lei. Isso é regra em qualquer análise séria. O trabalho não foi prejudicial a ninguém. Ao contrário, deu a eles uma dimensão de boa convivência comunitária o que, aliás, a Constituição determina que todos nós implementemos ao menor.
Por fim, uma comparação mais aguda. O Código Penal incrimina a prática de sexo de um adulto com pessoa de menos de 14 anos, taxando o fato como estupro ou atentado violento ao pudor, presumindo a violência, independentemente da vontade da (ou do) menor. Desde 1940, essa regra é tida como absoluta. Contudo, recentemente, passou-se sustentar, nas faculdades de Direito, e a decidir, depois, na justiça, que a lei penal, nesse ponto, admite abrandamento para o criminoso. O fato pode não ser crime sexual, dependendo do grau de consciência da (ou do) menor. Por exemplo, se num bordel ou até mesmo na rua ou na rodovia o ‘cliente’ ignora a idade da prostituta ou do travesti, isso pode não ser crime, ainda que a (ou o) menor tenha 12 anos.
Desse modo, uma pergunta. Aceita-se, com certa complacência, que um menino ou uma menina de 12 anos tenha vontade para transar, com todos os riscos inerentes (imaturidade, alta probabilidade de contrair doenças graves e perversão na sexualidade, além de gravidez precoce etc); todavia, nega-se a eles a capacidade de discernimento para trabalhar legitimamente, com carteira assinada, vários direitos e a salvo de muito menos riscos? Ou então a mesma questão de outra forma. Como é que queremos proteger o adolescente: concedendo a ele vontade para praticar sexo, ainda na tenra idade, ou permitindo um emprego honesto, com garantias da lei?
Que fique bem claro: aqui não se prega o trabalho sem escola, nem trabalhos duros ou incompatíveis com a compleição física e mental do menor, muito menos o trabalho infantil ou exploratório, de qualquer natureza. Para quase a totalidade dos leitores deste texto, acredita-se, não seria necessária essa explicação. Entretanto, dadas certas opiniões radicais, de pessoas que são totalmente contra o trabalho do menor, em qualquer circunstância, e que apelam, em seus argumentos, acusando-nos de insensíveis (isso quando são econômicas nos vocábulos), fica aqui esse registro, para que, quem sabe, consigamos aliviar a rudeza das críticas que não primam pela objetividade.
Neste tema, enfim, não somos partidários daqueles que só falam, criticam e acham que pronunciando palavras bonitas, mas vazias de conteúdo prático (como ‘defesa do menor’), o problema está todo resolvido. Nós (Justiça e Conselho Tutelar de Fernandópolis) estudamos a lei e buscamos o que é sensato. Analisamos cada situação, julgamos cada caso, autorizamos ou não o trabalho do menor, reavaliamos e suspendemos as autorizações, quando o adolescente sai da escola ou há mínimas denúncias de maus tratos (o que nunca nos chegou, até agora). Enfim, procuramos conhecer o problema, caso a caso, antes de nos posicionar.
O nosso princípio é o de que trabalho é bom para o menor. Dessa maneira, igualmente, lemos e interpretamos a Constituição do Brasil. Desejamos ser razoáveis, lógicos, coerentes, ponderados e prudentes, diante da realidade e em benefício do adolescente e da coletividade. Se nós alcançamos tudo ou parte disso, cabe ao Tribunal de Justiça de São Paulo reapreciar a causa, bem como à cidade de Fernandópolis nos julgar. O povo também é nosso juiz, a quem sempre prestamos contas das nossas decisões na Vara da Infância e Juventude.
P.S. Este texto foi publicado no jornal Cidadão em 24 de novembro de 2007.
Todos nós devemos livrar a criança e o adolescente de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, como manda a Constituição. A frase é bela, quando escrita, lida e falada. Mas, como cumprir isso, na prática, quando se têm meninos e meninas ociosos, perambulando pelas ruas, praticando furtos ou na prostituição para sustentar o vício vindo das drogas? Programas sociais são ótimas alternativas. Porém, não há tantos projetos quanto se necessita, e nem todos são eficazes e só ‘do bem’, como temos visto, ultimamente, diante da proliferação de certas ONGs, onerosas para o Estado e até na ilegalidade. O trabalho remunerado é uma das formas legítimas de se conquistar o menor para um bom caminho.
A Constituição também diz que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à profissionalização. Uma das maneiras de se conseguir isso é o trabalho assalariado, que não gera custo direito para o Estado. O garoto e a garota aprendem, desde cedo, uma profissão, uma especialidade. O que contribui para a formação de sua personalidade, a partir de um valor construtivo em todos os sentidos.
No nosso país são muitos os casos em que o menor trabalhador ajuda a família. Isso é bom. Fortalece os laços familiares. O adolescente sente que é importante para as pessoas que mais ama. O núcleo familiar se reforça, com o respeito mútuo entre pais e filhos. Portanto, acreditamos que obedecemos à lei na estruturação da família, à medida que a Constituição diz que a família é a base da sociedade e tem especial proteção do Estado.
Quando não se autoriza o menor trabalhar, não são raros os casos em que ele vai para o trabalho assim mesmo. Muitas vezes levado pela necessidade de auxiliar nas despesas do lar. Existem muitos jovens que não querem ver sua própria família sofrer. Ora, se ficamos inflexíveis, lendo a lei de maneira fria, corremos sério risco de ter o menor trabalhando na clandestinidade, sem qualquer direito trabalhista e previdenciário, o que é muito pior do que a proibição ao trabalho.
Um outro motivo, menos decorrente da lei e mais da observação da vida, é a constatação de que muitos adultos de hoje, que começaram a trabalhar com 12 anos, às vezes, menos que isso, ou obrigados pelos pais ou porque precisavam de dinheiro, tornaram-se cidadãos responsáveis. São excelentes pais, pagadores de impostos, respeitadores da lei. Isso é regra em qualquer análise séria. O trabalho não foi prejudicial a ninguém. Ao contrário, deu a eles uma dimensão de boa convivência comunitária o que, aliás, a Constituição determina que todos nós implementemos ao menor.
Por fim, uma comparação mais aguda. O Código Penal incrimina a prática de sexo de um adulto com pessoa de menos de 14 anos, taxando o fato como estupro ou atentado violento ao pudor, presumindo a violência, independentemente da vontade da (ou do) menor. Desde 1940, essa regra é tida como absoluta. Contudo, recentemente, passou-se sustentar, nas faculdades de Direito, e a decidir, depois, na justiça, que a lei penal, nesse ponto, admite abrandamento para o criminoso. O fato pode não ser crime sexual, dependendo do grau de consciência da (ou do) menor. Por exemplo, se num bordel ou até mesmo na rua ou na rodovia o ‘cliente’ ignora a idade da prostituta ou do travesti, isso pode não ser crime, ainda que a (ou o) menor tenha 12 anos.
Desse modo, uma pergunta. Aceita-se, com certa complacência, que um menino ou uma menina de 12 anos tenha vontade para transar, com todos os riscos inerentes (imaturidade, alta probabilidade de contrair doenças graves e perversão na sexualidade, além de gravidez precoce etc); todavia, nega-se a eles a capacidade de discernimento para trabalhar legitimamente, com carteira assinada, vários direitos e a salvo de muito menos riscos? Ou então a mesma questão de outra forma. Como é que queremos proteger o adolescente: concedendo a ele vontade para praticar sexo, ainda na tenra idade, ou permitindo um emprego honesto, com garantias da lei?
Que fique bem claro: aqui não se prega o trabalho sem escola, nem trabalhos duros ou incompatíveis com a compleição física e mental do menor, muito menos o trabalho infantil ou exploratório, de qualquer natureza. Para quase a totalidade dos leitores deste texto, acredita-se, não seria necessária essa explicação. Entretanto, dadas certas opiniões radicais, de pessoas que são totalmente contra o trabalho do menor, em qualquer circunstância, e que apelam, em seus argumentos, acusando-nos de insensíveis (isso quando são econômicas nos vocábulos), fica aqui esse registro, para que, quem sabe, consigamos aliviar a rudeza das críticas que não primam pela objetividade.
Neste tema, enfim, não somos partidários daqueles que só falam, criticam e acham que pronunciando palavras bonitas, mas vazias de conteúdo prático (como ‘defesa do menor’), o problema está todo resolvido. Nós (Justiça e Conselho Tutelar de Fernandópolis) estudamos a lei e buscamos o que é sensato. Analisamos cada situação, julgamos cada caso, autorizamos ou não o trabalho do menor, reavaliamos e suspendemos as autorizações, quando o adolescente sai da escola ou há mínimas denúncias de maus tratos (o que nunca nos chegou, até agora). Enfim, procuramos conhecer o problema, caso a caso, antes de nos posicionar.
O nosso princípio é o de que trabalho é bom para o menor. Dessa maneira, igualmente, lemos e interpretamos a Constituição do Brasil. Desejamos ser razoáveis, lógicos, coerentes, ponderados e prudentes, diante da realidade e em benefício do adolescente e da coletividade. Se nós alcançamos tudo ou parte disso, cabe ao Tribunal de Justiça de São Paulo reapreciar a causa, bem como à cidade de Fernandópolis nos julgar. O povo também é nosso juiz, a quem sempre prestamos contas das nossas decisões na Vara da Infância e Juventude.
P.S. Este texto foi publicado no jornal Cidadão em 24 de novembro de 2007.
Publicado na integra com preservação dos Direitos Autorais.