Por Giovanni Alves Borges e Silva
ex-Conselheiro Tutelar em Araxá-MG
Especialista em Violência Doméstica cometida
Contra Crianças e Adolescentes
publicado em: Facebook – Criança e Adolescente – participe
É sempre assim: Adolescente comete crime grave, a sociedade se espanta, abastecida por uma ávida mídia, através da qual se reinicia discussões acerca do poder do Estado em imputar penalidade a adolescentes que tenham completado 16 anos de idade.
O ciclo da violência é um processo construído ao longo dos anos, não um caso isolado. A "patriarcal família brasileira" submete suas crianças e adolescentes à violência doméstica desde cedo. São tapinhas no bumbum ou nas mãos, gritos "controlados", promessas não cumpridas, que se transformam em chineladas, cintadas, pauladas, queimaduras, gritos insanos, ameaças de morte, negligências... quando não associadas umas às outras e à violência sexual (abuso/exploração).
Assim, tomemos como exemplo a vida imaginária de Maria, adolescente de 17 anos de idade que fica grávida do namorado. Teme contar a "novidade" aos pais que ao saberem a notícia não lhe ajudam em nada. Maria procura pelo namorado, pois foi posta para fora de casa, mas ele desaparece e uma série de complicações acontecem: Maria vai morar nas ruas e não se cuida, abandona a escola, deixa de fazer pré-natal, busca apoio nas "amizades" e nas esmolas diárias, a criança nasce e Maria não a registra. O pai não reconhece a paternidade do filho e Maria encontra novo companheiro, e com este tem mais dois ou três filhos. Como Maria não estudou e seu novo companheiro é alcoolista, não conseguem emprego, continuando a sobreviver à margem da sociedade, isto é, marginalizados. Os filhos de Maria crescem em meio a um grande número de doenças, vez que Maria é negligente. Além disso, os membros da família, sem exceção, sempre apanham do padrasto alcoolizado e as crianças presenciam as brigas e o sexo dos pais. Abandonam a escola, conhecem as drogas e tudo se repete.
Este é o círculo vicioso da violência! A miséria, a pobreza, e o desajuste emocional familiar, aliadas à falta de políticas públicas para infância e juventude, a impunidade e as ações do crime organizado, são combustíveis para esta violência transcender os lares e poluir a sociedade com os mais variados crimes, hediondos ou não.Porém, nestas horas, poucos se lembram, conforme dados do IBGE e da Subsecretaria da Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, que do total da população adolescente, aproximadamente 48 milhões de pessoas, a população de adolescentes em conflito com a lei, não atinge a 76.000 (setenta e seis mil) adolescentes.
Ou seja, menos de 0,2% de toda população adolescente do país é responsável pela prática de atos infracionais, muito menos, consequentemente, de ações delituosas hediondas como no caso da criança João Hélio.
Isto prova que a redução da maioridade penal ou a diminuição da idade de imputabilidade penal não é a solução mais inteligente e humana.
Inclusive porque o objetivo da pena, no Brasil, não é punir por punir, o cumprimento da pena no Brasil é a reeducação e a ressocialização do criminoso encarcerado, para que o mesmo posso voltar a exercer sua cidadania com dignidade.
O Estado Brasileiro carece de reformas estruturais no sistema de Proteção Social que vai desde Segurança Pública, com reforma do Sistema Penitenciário, até a Educação, que também necessita ser vista como peça fundamental deste sistema, inclusive pelos próprios educadores.
A Família brasileira necessita deixar de ser adultocêntrica, olhar e cuidar melhor de seus filhos, que devem ser tratados como pessoas em desenvolvimento, merecedoras de atenção e proteção especial, de prioridade absoluta.
A Sociedade precisa buscar novas formas de participação popular, seja através de participação nos Programas e Projetos de Atendimento, nos Conselhos Municipais e/ou Fóruns dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Necessita-se, enfim, de Políticas Públicas decentes voltadas para as famílias em situação de risco, através de Programas e Projetos, os quais, salvo raras exceções, cumprem seu papel social.
Para isto ocorrer basta aplicar-se, à risca, o documento que se conhece como Estatuto da Criança e do Adolescente, o que, certamente é muito mais difícil fazer que alterar o Código Penal, diminuindo-se a idade da imputabilidade.